A fazenda assombrada
Dizem que havia uma fazenda mal-assombrada. Se alguém fosse pernoitar lá, no dia seguinte, podiam buscar o cadáver. Os tropeiros, sem saber que a casa era assombrada, faziam pouso por lá. Quando caía a noite, a latomia era tão grande que ninguém aguentava. O tropeiro ouvia a mula que deixara na roça rinchar e perguntava:
— De que urra, minha burra?
E ouvia a resposta:
— É que você não tem roça para botar.
A partir daí, a confusão reinava e o inferno abria as portas. Certa feita, um homem de muita coragem soube da fama da fazenda
e resolveu fazer o pernoite por lá. Entrou, depôs sua bagagem num canto, preparou o fogão e foi assar uma carne. Num instante, vindo ninguém sabe de onde, apareceu um moleque com um sapo no espeto, que ele levou ao fogão.
O viajante nem se abalou e disse:
— Moleque! Moleque! Tire esse sapo de perto de minha carne!
O moleque sumiu, ele comeu a carne e foi armar a rede. Quando se
deitou, ouviu uma voz fanhosa:
— Eu caio!
Era uma aleivosia dependurada no teto. O homem, tranquilo,
respondeu:
— Pode cair! — e caiu um braço.
— Eu caio!
— Pode cair! — e caiu uma perna.
A assombração continuou dizendo “Eu caio!”, até que despencou o corpo inteiro. Depois desapareceu e, na sala, formou-se um samba. A zoada não incomodou o viajante, que caiu no samba também. Ele não via ninguém, mas ouvia, alto e claro, uma voz:
— Não dá umbigada na mulher do coronel!
E outra:
— Não dá umbigada na mulher do capitão!
O corajoso deu uma umbigada na mulher do capitão, e a sala clareou toda. Como não tinha medo de nada, ele resolveu vasculhar a casa. Num salão espaçoso, encontrou os moradores sentados em cadeiras. Ao se aproximar, a surpresa: eram todos defuntos. Uma mulher e um homem foram até ele e o chamaram para um lugar onde estava guardado um baú
cheio de ouro e prata, e disseram:
— É tudo seu, por causa de sua coragem.
Naquela hora, o galo cantou e tudo desapareceu. Ele foi dormir tranquilamente o resto da noite. No outro dia, foi buscar a família para morar com ele na casa e encontrou alguns parentes seus com uma rede indo em direção à fazenda. Quando o viram, tomaram aquele susto, pois já o imaginavam morto e iam buscar o corpo.
Ana Pereira Cardoso,
Serra do Ramalho, Bahia
Contos e Fábulas do Brasil – Marco Haurélio (páginas 48 e 49)
https://editoranovaalexandria.com.br/product/2874/